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30/04/2021

Ilegalidades na Resolução da ANTT que disciplina a caducidade das concessões rodoviárias

Por Renata Villela

Foi publicada no Diário Oficial da União de 28/04 a Resolução ANTT nº 5.925/2021, que regulamenta o processo de extinção dos contratos de concessões rodoviárias por inadimplência.

A norma é positiva por conferir maior clareza ao processo administrativo que pode conduzir à declaração da caducidade da concessão. Antes de sua edição, tais processos eram regidos pela Resolução 5.083/2016, que trata da apuração de infrações e da aplicação de penalidades pela ANTT e apenas de forma lateral abrange a caducidade, cujas especificidades e impactos justificam um tratamento específico.

Nesse sentido, a nova Resolução acerta em prever que anualmente a Agência deve comunicar os descumprimentos contratuais às concessionárias e lhes garantir um prazo para o saneamento das falhas. Ademais, também foi positivo o estabelecimento de etapas claras do processo de caducidade e a previsão de que a Diretoria pode conferir ao concessionário nova oportunidade para regularizar a prestação do serviço público mesmo após a instrução do processo (art. 13, IV).

Por outro lado, a Resolução pode ser criticada em diversos aspectos. Em primeiro lugar, seu artigo 11 previu que as alegações finais poderão ser apresentadas pelo concessionário ao fim da fase de produção de provas. Teria andado melhor a norma ao prever que as alegações finais poderiam ser apresentadas ao fim da instrução do processo, já que nem sempre será necessário produzir provas. A previsão, tal como consta, pode embasar decisões que impeçam o acusado de apresentar a última palavra sobre as acusações, o que fere o direito à ampla defesa, como previsto pelo STF no HC nº 166.373-PR.

Ademais, a nova norma apresenta um entendimento questionável sobre a competência para a declaração da caducidade. De acordo com o artigo 13, diante da recomendação da extinção da concessão pela Comissão Processante, a Diretoria Colegiada poderá diretamente declarar a sua caducidade (inciso V) ou recomendar a declaração ao Chefe do Poder Executivo, caso o contrato de concessão a este atribua a competência para tanto (inciso VI).

A previsão do inciso VI permite que a decisão da Diretoria Colegiada da Agência seja suficiente para a declaração da caducidade, sem que o Presidente da República precise aquiescer, como comumente é observado nas concessões federais. Embora grande parte dos contratos de concessão preveja claramente que a competência para tanto é do Chefe do Poder Executivo, nada impede que, por meio de aditivo, essa cláusula seja alterada, como defendido pela Procuradoria Jurídica da ANTT, segundo o voto DDB 06/2020, de lavra do Diretor Davi Barreto.

Esse entendimento baseia-se no Decreto nº 2.521/1998, que dispõe sobre a exploração dos serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, cujo artigo 25, § 4º estipula que a caducidade será declarada mediante ato da ANTT.

Além disso, tem respaldo em parecer da Procuradoria Jurídica da ANTT, segundo o qual o artigo 24, inciso V, da Lei 10.233/2001 confere expressamente à Agência competência para extinguir atos de outorga. No que tange à possibilidade de conflito entre referido dispositivo e o § 4º, do art. 38, da Lei 8.987/1995, que estabelece que a caducidade será declarada por decreto, o órgão jurídico da ANTT considera que, pela regra da especialidade, deve prevalecer o entendimento expresso na lei de criação da Agência.

Ocorre que a Lei 10.233, ao conferir à ANTT atribuição para editar atos de extinção de outorga, não previu que estes podem prescindir de prévia análise pelo Chefe do Poder Executivo. A lei comporta tão somente o entendimento de que, após a expedição de decreto pelo Presidente da República, competirá à Agência tomar as providências para a efetiva extinção do contrato de concessão. Qualquer entendimento contrário implicaria usurpação de competência do Chefe do Poder Executivo e, por isso, deve ser excluído de plano.

Finalmente, comporta críticas o artigo 15, que, na prática, prevê que a declaração de caducidade e a extinção do contrato são atos que podem ser apartados no tempo, isto é, que seria, possível optar pela extinção da concessão em um momento posterior à declaração da caducidade. Ora, a consequência mais clara e imediata da declaração da caducidade deve ser justamente o encerramento da concessão e a imediata assunção do serviço pelo poder concedente, como previsto no artigo 35, § 2º da Lei de Concessões.

Por essa razão, a previsão de que o concessionário terá que prestar os serviços até sua assunção pelo concedente reflete a falta de preparo do poder público, que tem o dever de garantir a continuidade do serviço logo após a decretação de caducidade, sob pena de esta medida não se mostrar adequada por afronta ao interesse público. Não bastasse, a alternativa admitida pelo artigo 15 padece de flagrante contradição: se o concessionário não possui competência para continuar a prestação do serviço (e por isso da rescisão), não o poderia depois da rescisão do contrato.

Logo, é possível dizer que a norma padece de inegáveis vícios de legalidade, que, se não corrigidos pela Agência, podem inclusive dar ensejo à sua anulação pelo Poder Judiciário.

Ainda que a ANTT tenha agido bem ao expedir uma norma específica sobre a caducidade das concessões rodoviárias, cometeu flagrantes erros conceituais, que podem prejudicar os concessionários mais do que o anterior vácuo normativo.